segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dicas...

Comportamento infantil

A criança porta-se mal ou quer apenas comunicar?

Quando, perante um saboroso prato de papas ou na hora de dormir, a Ana, que tem 2 anos, desata a espernear e a gritar, os pais levantam a voz, de dedo em riste, ou optam pelas «duas palmadas bem dadas», para acabar com a «birra». Mas será que a criança está, de facto, a portar-se mal... ou quer apenas comunicar algo aos pais?

É normal. Não há criança que, de vez em quando, não se porte mal. Mas, segundo o psicólogo clínico Álvaro Ferreira, «talvez não exista o mau comportamento».


Álvaro Ferreira defende que muitos daqueles que são catalogados como maus comportamentos são, simplesmente, atitudes que contrariam as idealizações dos pais:

«Uma criança considerada mal comportada reflecte uma expectativa que os pais têm e que não é correspondida. Isso tem um carácter contextual. O que é, hoje, tido como mau comportamento não o era há dez ou vinte anos. Este conceito também varia com o local. Há sempre uma dimensão cultural acerca do que é bom ou mau comportamento.»
Este psicólogo clínico salienta que há pais que consideram mau comportamento ser irrequieto, não tomar atenção na escola, não querer dormir, tomar banho ou comer. «Na minha opinião isto, se calhar, não pode ser visto como mau comportamento», explica Álvaro Ferreira.
As expectativas dos pais vão se formando antes de o bebé nascer. «Uma mãe que, durante a gravidez, deseja inconscientemente que o bebé venha a ser muito rosadinho e que vai comportar-se como o seu primeiro filho vai, provavelmente, deparar-se com outra realidade: há um bebé real, que é diferente do imaginado - aquele que os pais desejam», explica o psicólogo. Isto causa frustração.
Muitos pais vivem com ansiedade o facto de as crianças manipularem os órgãos genitais, tocarem nas fezes, roerem as unhas ou chucharem no dedo. Segundo o psicólogo, «estes comportamentos são vistos como negativos, mas importa reconhecer que são atitudes normativas e saudáveis, desde que não se prolonguem e enquistem».

Perigos - o fruto proibido

«Aquilo que, vulgarmente, é considerada uma ‘birra’ constitui uma forma de a criança comunicar algo aos pais, como desde logo as cólicas e a fome, até a formas diversas de desprazer afectivo. Nas crianças mais velhas, pode significar uma vontade de ir por um caminho diferente daquele que está a ser imposto pelos adultos. As ‘birras’ são fundamentais, nesta dinâmica», assegura Álvaro Ferreira.
Quando uma criança está na rua, pendurada num muro, sujeita a cair e a magoar-se, os pais ficam aflitos. Segundo Álvaro Ferreira, «essa atitude pode significar uma posição de força, no sentido da autonomização. Uma ‘birra’ pode ser importante, como processo de autonomia».
O modo como o educador ou os pais se comportam em relação a uma «birra» é fundamental. Se não derem importância, «se permitirem que a criança faça o que quiser, ela vai perceber que não há limites. No outro extremo está o educador que, sem dizer nada, dá um par de estalos à criança, não permitindo que ela ganhe consciência dos perigos que corre. Nenhuma destas atitudes será a ideal. Para crescer, é preciso sentir alguma frustração», explica o psicólogo.
Quando as crianças começam a andar e querem descer uma escada, o ideal seria os pais estarem presentes e simultaneamente darem alguma liberdade, permitindo a exploração desse espaço. Álvaro Ferreira exemplifica: «Há pais que nunca deixam as crianças fazer nada, porque tudo é um perigo. Mas a criança precisa de explorar e de bater com a cabeça, para perceber que aquilo é duro e que a magoa.»

Castigar, sem ser o mau da fita

Os castigos que implicam violência física «têm de ser totalmente erradicados. O castigo ideal é aquele que é aceite pela criança como justo, mesmo que não o seja no momento em que é aplicado, que é acompanhado de afecto e proporcional à situação. Os castigos devem ter por objectivo fornecer normas e limites à criança», explica Álvaro Ferreira.
Se a criança percebe que pode fazer «birras», sem ser penalizada, «pode haver perda de limites com consequências para o resto da vida. Por outro lado, se os pais nunca permitem nenhum tipo de ‘birras’, a criança torna-se passiva e pobre, em termos de vida mental», entende Álvaro Ferreira. O importante é perceber como terminar com as «birras», fazendo com que a criança sinta porque é que não deve ter determinados comportamentos.
E quanto às tradicionais «duas boas palmadas», Álvaro Ferreira diz que «a sua conveniência depende do contexto e do modo como são aplicadas. Muitas vezes, uma palmada dada com afecto é fundamental. Mas é preciso que seja dada no momento certo e, obviamente, para não magoar. O ideal seria não dar palmadas... mas o ideal não existe. Por isso, não devemos culpabilizar os pais. A palmada é um falhanço da comunicação e é, no fundo, um comportamento infantil».
Quando as crianças estão, constantemente, a fazer «birras», «pode ser útil o acompanhamento por um profissional especializado. Nesses casos, mais ainda do que noutros, os castigos extremos não resultam», garante o psicólogo.

Aprenda a comunicar

Para Álvaro Ferreira, os ditos maus comportamentos são, frequentemente, provocados por problemas de comunicação.
«Quando uma mãe cuida da criança, unicamente, como uma enfermeira e não lhe dá afecto, não a olha e toca-lhe pouco é sinal de que existem problemas de interacção. Mas também é preciso perceber se o bebé estimula a mãe», afirma o psicólogo.
A partir do momento em que os pais e os educadores compreendem que «os comportamentos classificados como maus acontecem porque há alguma perturbação na relação, podem modificar as atitudes consideradas repreensíveis. Está tudo nas mãos dos pais... e da criança», garante este psicólogo clínico.

Segundo Álvaro Ferreira, não há crianças que sejam sempre bem comportadas. «A criança que é sempre certinha, durante toda a infância, pode vir a ter sérios problemas de vida mental.»
O ideal para um crescimento psíquico saudável, mas livre dos comportamentos considerados negativos, é um equilíbrio entre impor limites à criança e, simultaneamente, dar-lhe afecto. A palavra-chave é: comunicar... com amor.


texto Helena Soares


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